Penhora Parcial de Salário e o Risco à Subsistência

Assunto que interessa a muitos – mesmo aos não operadores do direito –  a impenhorabilidade muitas vezes não é bem compreendida, sobretudo por algo que é intrínseco ao próprio dia-a-dia de uma ciência social aplicada, como é a jurídica: a intensa modificação de entendimentos, para se adaptar as normas ao contexto da realidade atual.

                        Dentre as impenhorabilidades legais, temos o destaque para as verbas de natureza remuneratória, que englobam: salários, proventos de aposentadoria, pensões, honorários de profissional liberal, dentre outras. Todas estas espécies fazem parte do gênero remuneração, que, segundo o STJ, pode ser conceituada como retribuição pecuniária paga à pessoa natural pelo seu trabalho, ainda que durante período de inatividade.

                        Impenhorabilidade, que é a regra, tem sido relativizada, assim como tudo num Estado Democrático de Direito, em que nada pode ser absoluto, a fim de possibilitar o atendimento a todos os bens jurídicos passíveis de tutela.

                        A despeito de a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça ter flexibilizado a impossibilidade de a penhora recair sobre verbas de natureza remuneratória não versadas em débitos de alimentos, pulularam diversas decisões que começaram a colocar em risco a aplicação integral do princípio da dignidade humana – garantia constitucional, composta de exigências básicas do homem, que visam oferecer recursos necessários a uma existência digna.

                        Muito acertadamente, o STJ, com decisão hodierna, buscou harmonizar duas vertentes do princípio da dignidade da pessoa humana, considerando o direito ao mínimo existencial e o direito à satisfação executiva.

                        Conforme notícia publicada hoje no site do STJ[1]: “o entendimento acima exposto foi reafirmado pela Terceira Turma ao analisar pedido de penhora de parte da remuneração de sócio de empresa cuja personalidade jurídica foi desconsiderada no curso de processo de execução de dívida oriunda de operação mercantil. O colegiado entendeu não haver no processo elementos suficientes que permitissem concluir que o devedor pudesse suportar a penhora sem o sacrifício de sua subsistência”.

                        Veja-se trecho do voto da relatora, Ministra Nancy Andrighi: “De outro turno, mostra-se inviável, na espécie, relativizar a garantia de impenhorabilidade do salário do recorrido, haja vista que não há, no acórdão recorrido, quaisquer elementos que permitam aferir a excepcional capacidade do devedor de suportar a penhora de parte de sua remuneração sem que reste sacrificada a sua subsistência e a de sua família. O TJDFT decidiu pela impossibilidade absoluta da penhora do salário do recorrido, sem discriminar suas particulares circunstâncias”.

                        Assim, embora exista a possibilidade de se penhorar verbas remuneratórias fora do contexto dos débitos de prestação alimentícia, há que se garantir que a impenhorabilidade continuará incidindo quando presentes exigências sociais e econômicas que a exijam.

Artigo de Mirian Franciele Olsen Carneiro Cunha

 

[1] http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Penhora-parcial-de-sal%C3%A1rio-exige-prova-de-que-medida-n%C3%A3o-p%C3%B5e-subsist%C3%AAncia-em-risco